Não atire o pau no gato-to, porque isso-so, não se faz-ai-ai... AI! MINHA SANTA PACIÊNCIA!
Quem foi que começou a colocar o digníssimo bedelho nessa história?
Quer saber um pouco mais sobre o politicamente correto nas cantigas e histórias pra crianças? Então veja dois trechos ótimos de matérias da VEJA.
E do que depender da Cia Prosa dos Ventos, o gatinho (da música) vai continuar levando bordoada. Afinal, como diz a professora Lydia Hortélio, há trinta anos dedicada à pesquisa sobre canções infantis brasileiras:
"Nunca se teve notícia de uma criança que maltratou um gato porque aprendeu a cantar Atirei o Pau no Gato".
ERA UMA VEZ... O POLITICAMENTE CORRETO!
Matéria 1 - Em tempos de comportamento politicamente correto, em que canções tradicionais ganham releituras higienizadas - "Atirei o pau no gato", por exemplo, virou "Não atire o pau no gato" - era de se esperar que as narrativas orais também se imbuíssem da ideia. Mas não é bem assim.
Matéria 2 - Há um novo fenômeno musical em curso nas escolas brasileiras: as crianças estão aprendendo versões adaptadas das velhas cantigas de roda. O que chama atenção nessas músicas são as letras politicamente corretas, nas quais personagens do folclore nacional deixam de ser assustadores, animais são reverenciados e o desfecho das histórias cantadas é invariavelmente feliz.
Adaptações na letra de músicas folclóricas sempre ocorreram – no Brasil e no resto do mundo. O que merece atenção nesse caso é o fato de as novas versões terem passado a fazer parte do currículo oficial em escolas brasileiras – e ainda por cima serem apresentadas às crianças como mais corretas do que as músicas originais. Daí a polêmica em torno do assunto.
Um dos argumentos mais usados pelas escolas para ensinar as novas letras é que elas têm função educativa. Por essa razão, muitas vezes são apresentadas aos estudantes ao lado da versão original, com o objetivo de enfatizar a diferença entre as duas e, ao final, fazê-los concluir que a canção politicamente correta traz exemplos mais positivos a ser seguidos.
Sobre o Não Atire o Pau no Gato diz-se que a letra estimula os estudantes a desenvolver um senso de "responsabilidade ecológica". O Boi da Cara Preta tornou-se "do Piauí" para soar menos assustador. Os professores também estão deixando de cantar o velho "Cachorrinho está latindo lá no fundo do quintal " para colocar em seu lugar uma versão em que não se pede ao cão para "calar a boca" – e sim "ficar quieto". A razão para tal mudança? Enfatizar a idéia de que homens e animais devem ter uma convivência pacífica.
As letras originais estimulariam o "medo" e o "lado violento" das crianças.
Os críticos apontam pelo menos dois motivos para repudiar o novo movimento musical.
- O primeiro é que, ao arbitrar sobre o folclore, ele provoca um empobrecimento cultural.
-Segundo a literatura especializada, há registro da presença de canções infantis brasileiras protagonizadas por seres assustadores desde o século XVII.
As cantigas de roda em questão são a expressão de tradições antigas e funcionam como o espelho da época em que surgiram. Espera-se até que, ao longo dos séculos, adquiram novos coloridos regionais e tenham suas letras pouco a pouco alteradas. O mesmo ocorreu com contos de fada como Chapeuzinho Vermelho, escrito no século XVII pelo francês Charles Perrault, que ganhou inúmeras versões. Tanto o caso das cantigas de roda como o dos contos de fada ilustram a dinâmica da tradição oral.
O que os difere, segundo os especialistas, é um ponto básico: enquanto os contos mantiveram em sua essência as ambigüidades e os conflitos típicos da espécie humana, as novas versões para as cantigas de roda são assépticas e desprovidas de emoção. Pior ainda: elas são apresentadas, de forma arbitrária, como a expressão de um ideal de comportamento. "O fato de uma meia dúzia de intelectuais estipular o que é certo ou errado no caso das cantigas de roda contém dois problemas: é autoritário e leva a uma visão caolha do ser humano", resume o filósofo Roberto Romano.
A outra ressalva dos críticos da leva de cantigas politicamente corretas é que ela parte de um pressuposto equivocado: que as crianças são influenciadas pela letra das músicas. Estudos sobre o assunto indicam justamente o contrário: que o que mais atrai as crianças nas cantigas de roda do mundo inteiro são o ritmo e as brincadeiras que se originam a partir delas – e não o significado da letra. Foi o que constatou uma pesquisa conduzida pela Universidade de Illinois, nos Estados Unidos, que perguntou a 3.000 crianças o que elas concluíam depois de escutar tradicionais cantigas de roda cujos personagens centrais eram seres assustadores: 83% responderam que nem sequer prestavam atenção à letra.
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